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domingo, 22 de enero de 2012

Ensayo interesante sobre os falaris de Xálima


As falas das Elhas, Valverde e S. Martinho (Cáceres): origem galega ou portuguesa?

por Eduardo Sanches Maragoto
Escola Oficial de Idiomas de Santiago  de Compostela


Introduçom

A
O LONGO da raia luso-espanhola, sem contacto territorial com o gale- go moderno, existem cinco enclaves fronteiriços que possuem soberania espanhola e conservam antigos dialetos galego-portugueses: Olivença, grande parte da regiom de Alcântara e a regiom de Xalma, na Estremadura; Almedilha, na província de Salamanca, e Calabor, em Samora.

O   mais moderno de todos eles, Olivença, pertence a Espanha desde 1801, sem se ter apagado  ainda completamente o conflito com Portugal em relaçom à soberania do enclave. As informaçons quanto à dataçom do ponto de partida dos fenómenos lingüísticos nos outros casos som mais imprecisas, mas é consensual que tenhem origem portuguesa na regiom estremenha de Alcântara –Ferreira de Alcântara, Casalinho e faixa fronteiriça de Alcântara e Codosseira– e na localidade salmantina de Almedilha. Em relaçom à aldeia samorana de Calabor, nom existem dados nem bibliografia sobre o assunto, mas nom parece que a história desta pequena terra –pertencente ao concelho de Pedralba de la Pra- dería– poda desvincular-se de outras aldeias próximas como Teixeira e Ermesende –do concelho de Ermesende (oficial Hermisende)–, perten- centes a Portugal até 1640. O dialeto do último território, no extremo norte-ocidental da estremenha serra de Gata, conhecido por regiom de Xalma, foi agrupado tradicionalmente com os falares fronteiriços portu- gueses. Porém, a partir de 1990, alguns filólogos galegos, nomeadamente Xosé Henrique Costas González (1992a, 1992b, 1999, 2000a, 2000b, 2004), Francisco Fernández Rei (2000) e Francisco Xavier Frías Conde (1997) defendêrom a hipótese –formulada por Cintra (1959) trinta anos antes– de ser produto de umha repovoaçom galega no século xiii. Na nossa opiniom, esta teoria nom tem fundamento de um ponto  de vista histórico, como tentaremos mostrar ao longo destas páginas.

A tese da «galeguidade» dos falares de Xalma

Com o descobrimento para a Filologia galega do dialeto galego-português do extremo norte-ocidental da Estremadura em 1990, começava também a escrever-se umha profusa bibliografia cuja pretensom, na minha opiniom, ia mais longe da que foi comunicada publicamente. Assim, nom se tratava apenas de demonstrar a origem galaica daqueles falares; também se desejava provar a sua «nom portuguesidade». Na Galiza, a opiniom generalizou-se depressa, descartando-se qualquer outra hipótese, por mais maioritária que fosse na Romanística até entom. Chegou-se a afirmar: «Hai outras visións da orixe da “fala”, aínda que hoxe non son válidas por estar máis que demostrada a orixe galega da mesma»[1].

Antes de mais, é preciso salientar que o tradicional agrupamento destes falares estremenhos com o conjunto de falas fronteiriças portu-guesas deixava numha posiçom incómoda os defensores do galego como língua independente do português. Como se poderia justificar, senom recorrendo à origem galaica das mesmas,  que o português em contacto com o castelhano da Estremadura sofresse umha evoluçom global tam semelhante à do galego?

Nos meios de comunicaçom, talvez com inocência calculada, alguns autores galegos tentárom limitar o debate público sobre este caso ao confronto com as instituiçons estremenhas[2], como se estas tivessem negado a galego-portuguesidade do dialeto, algo que nunca aconteceu, obscurecendo assim que a verdadeira problemática da «descoberta» tinha mais a ver com outra questom igualmente política: a (des)vinculaçom deste dialeto com a língua do outro lado da raia: o português.


Quando se começa a falar de «galego»  de Cáceres?

O conhecimento do dialeto falado na regiom de Xalma –noroeste da Estremadura–, que costuma ser parcelado em três subdialetos, um por cada vila em que é utilizado –Sam Martinho de Trevelho, Elhas e Valverde– despertou umha grande curiosidade em muitos representantes da Filologia espanhola –Fritz Krüger (1925), Oskar Fink (1929), Federico de Onís (1930), Rafael Lapesa Melgar (1942), Ramón Menéndez Pidal (1960), Alonso zamora Vicente (1960)– e da portuguesa –Leite de Vas- concelos (1927 e 1933), Lindley Cintra (1959), Clarinda de Azevedo Maia (1977)–. Em geral, até Lindley Cintra, que lhes atribuiu origem galega, a unanimidade em relaçom à génese portuguesa dos mesmos sempre foi notável, destacando neste sentido os primeiros estudos de Leite de Vasconcelos.

O assunto começou a transpor os limites da pacífica discussom lingüística em 1990, quando um camionista valverdeiro foi entrevistado num programa da Televisión de Galicia dirigido polo conhecido artista Antón Reixa, descobrindo para a Filologia galega que estes falares es-  tremenhos guardavam enorme parecido com os atualmente falados na Galiza. Despertou-se assim um grande interesse na «fala», com jornadas, viagens de estudo, artigos e livros promovidos nomeadamente por lingüistas vinculados às teses do Instituto da Língua Galega[3], principiando a divulgar-se entre nós a ideia de estes falares serem resultado de umha repovoaçom –nom documentada[4]– de galegos no início do século XIII.


A versom  «divulgativa», a «extensa» e as lacunas  de ambas

A «versom divulgativa» da tese oferecida aos galegos, espalhada rapi- damente através dos meios de comunicaçom, foi simples: na Estrema- dura fala-se galego porque essa zona foi repovoada com galegos polo rei Afonso VIII. Porém, e visto que assim enunciada é mui difícil de rebater, umha vez que nos movemos no terreno da pura especulaçom, neste trabalho pretendo penetrar na explicaçom «extensa» que os mesmos «divulgadores» oferecêrom em publicaçons especializadas.

Ela consiste em afirmar que toda a atual regiom portuguesa do Riba-Coa –ou de Ribacoa– e do concelho do Sabugal e ainda umha extensa área espanhola atualmente abrangida polas províncias de Salamanca e Cáceres fôrom repovoadas por ordens militares ligadas ao reino de Leom com colonos galegos depois de séculos de total ermamento –despovoaçom–. Posteriormente, desde o tratado de Alcanizes –assi- nado por D. Dinis de Portugal e Fernando IV de Leom e Castela em 1297– teria-se reconhecido a parte dessa zona –Riba-Coa e Sabugal– a pertença a Portugal, permanecendo testemunho daquela repovoaçom na língua de só duas das zonas que ficárom vinculadas ao reino de Leom: a regiom de Xalma e a localidade de Almedilha –ainda que esta última povoaçom seja esquecida por motivos que a seguir explicaremos[5]–. A razom pola qual só nestas localidades se conservaria aquele antigo dialeto teria a ver com as condiçons de extremo isolamento que padecêrom posteriormente.


Os alicerces desta explicaçom fôrom encontrados em Lindley Cintra–posteriormente matizado por Clarinda de Azevedo Maia[6]–, que em 1959 tinha sugerido essa tese para reforçar a sua «apertada»[7]  opiniom de que o redator dos foros [de fundaçom] de Castelo Rodrigo –cidade hoje portuguesa do Riba-Coa mas leonesa (como a regiom de Xalma) quando os foros fôrom escritos– tinha origem galega. O  motivo polo qual Cintra (1959: 508-528) chegou a essa conclusom foi porque supujo que, estando os foros escritos num híbrido luso-leonês –os textos com diferentes graus de hibridaçom, luso-leoneses e luso-castelhanos abundárom, nom apenas nessa altura, em toda a zona e nom só nela–, poderia haver um escrivao galego, ou de origem colonial galega, atrás de certas formas lingüísticas dos mesmos. Colocou entom a possibilidade de o redator dos foros estar a escrever na sua língua materna –com leonesismos–, isto é, na língua materna dos habitantes daquela regiom, que estaria praticamente, senom totalmente, despovoada antes da chegada dos  colonos galaicos trazidos por Afonso VIII.

A suposiçom de Cintra, porém, foi perdendo consistência à medida que novos estudos sobre a regiom e o fenómeno fôrom publicados. No entanto, estas novas achegas som constantemente contornadas polos filólogos que continuam a divulgar a tese da «galeguidade» de Xalma. Ignora-se que a tese do ermamento –ou total abandono– daquelas terras antes da chegada dos colonos foi já por muitos descartada. Obvia- se que muitos estudos, algum deles publicado na Galiza[8], desmentem categoricamente o isolamento posterior da zona, e esquece-se a posse portuguesa de toda a regiom estudada antes de Fernando II –rei anterior a Afonso VIII–. Por outro lado, os referidos estudiosos galegos evitam tratar os dialetos em foco em confronto com o dialeto de Almedilha, algo essencial porque ninguém nega todos poderem compartilhar a mesma origem. Sobre estes quatro assuntos, e ainda sobre a inconsistência dos argumentos lingüísticos expostos para demonstrar a origen «galega» dos antepassados daqueles falantes, queremos debruçar-nos neste trabalho.

Do nosso ponto de vista, extremando a retórica, a galeguidade destas falas nom supera a galeguidade de qualquer outra variedade diatópica portuguesa, porque todas elas fôrom impostas ao sul polo norte, e ao este polo oeste. As falas de Xalma  som tam galaico-minhoto-durienses, portanto, como as transmontanas, as beiroas e até as alentejanas. Mas, apurando o nível de simplificaçom histórica que usárom os sustentadores da tese «galega», nom me cabem dúvidas que os falares deste cantinho da serra de Gata se desmembrárom do território que atualmente chamamos Portugal e nom do que hoje conhecemos por Comunidade Autónoma Galega.


A fronteira: puro acaso?

Antes de mais, a tese da colonizaçom galega encontra um problema de difícil resoluçom: deve lidar com o facto de ser produto de umha enorme casualidade histórica: tratar-se de um dialeto fronteiriço cuja origem nom teria nada a ver com a fronteira.

Os dialetos fronteiriços som um fenómeno lingüístico comum em todo o mundo e raramente se podem desvincular do próprio fenómeno político da fronteira. Assim, como dixemos, só no caso da fronteira luso-espanhola –excluindo o caso da Galiza, que nos levaria a outros debates igualmente interessantes, mas diferentes–, existem, para além da regiom de Xalma, outros quatro territórios com dialetos de fronteira que o senso comum aconselha a tratar em conjunto[9]. Nom obstante, os filólogos partidários da origem repovoadora galega esquecêrom-nos, até o ponto de continuar desconhecendo-os, porque, exceto no caso da regiom de Xalma, para a qual nom havia documentaçom, nos outros casos a origem histórica portuguesa era mais evidente. Se os dialetos de Calabor, Almedilha ou Ferreira fossem estudados e confrontados com os de Xalma, as conclusons haviam de ser necessariamente outras[10]. Porque a origem portuguesa dos três primeiros nom impediu que eles fossem evolucionando, como o de Xalma, da mesma maneira que o galego, até o ponto de ser muito difícil situar umha pessoa dessas localidades fora da Comunidade Autónoma Galega só através da fala. Isto é, nom há nengumha razom para afirmar que há dialetos fronteiriços galegos e dialetos fronteiriços portugueses. Ou som todos portugueses ou, se admitimos que o galego  é o português falado no Estado espanhol, som todos «galegos». Esta última hipótese é a formulada polo documentário Entre Línguas[11], através da exibiçom de materias audiovisuais gravados ao longo de todos os territórios fronteiriços espanhóis de fala galego-portuguesa.

Nom é nosso objetivo nestas páginas debruçar-se pormenorizada- mente sobre a problemática estritamente lingüística, mas basta visitar todas as zonas fronteiriças espanholas com dialetos portugueses para aperceber-se de que, salvada a distáncia cronológica entre os diferentes momentos em que se produziu o afastamento de cada um desses territó- rios da influência de Portugal, todos eles tivérom evoluçons semelhantes que os aproximam enormemente entre si. De Calabor –ou Ermesen- de– à Olivença, estes falares vam convergindo com o passar dos  séculos com a sua língua teito, o espanhol, e vam aproximando-se também do galego, cujos falantes possuem essa mesma língua teito há muito maistempo atrás. Talvez tanto tempo como a regiom de Xalma  e talvez seja essa a razom pola qual nós, galegos, nos identificamos tanto com esta variedade estremenha. Da mesma maneira que quando ouvimos umha pessoa espanhola a falar português nos parece galego, também nos parece galego um dialeto português pronunciado «à espanhola», e muito mais se possui os castelhanismos certos, esses bordons que nom costumam faltar em nengumha variedade lingüística subordinada: bueno, vale, etc.


Crítica da explicaçom histórica

Quando estamos a tratar o caso de um dialeto fronteiriço, o senso comum aconselha a relacionar a existência do mesmo com o fenómeno da fronteira e portanto com o Estado vizinho. Assim, à partida, pa- rece lógico deixar de parte qualquer outra tese formulada em sentido contrário –neste caso a origem colonizadora galega–, se nom estiver su- ficientemente demonstrada. Nom foi o que aconteceu no caso que nos ocupa, para o qual foi elaborada umha hipótese historicista que nom só nom foi provada documentalmente, senom que foi elaborada através da junçom de diversas suposiçons que carecem do necessário rigor e que separadamente tenhem sido refutadas por estudos atuais.

Esquematicamente, estas suposiçons tenhem como alicerces o ermamento da zona prévio à Reconquista, a repovoaçom que se seguiu fomentada polo reino de Leom e o isolamento posterior dos  «três lugares»[12]  ao longo da história até a atualidade. Os três primeiros –ermamento, Reconquista e repovoaçom– costumam aparecer agrupados, polo menos tal como tenhem sido defendidos pola velha historiografia luso-espanhola[13] e recuperados para a Filologia galega. De facto, estas três noçons estám  tam intimamente relacionadas que nom será fácil defendê-las separada- mente. Do mesmo modo, o questionamento de umha delas costuma fazer abalar o conjunto.



Ermamento, Reconquista e repovoaçom

A teoria da galeguidade da «fala»[14]  assenta, como dixemos, em hipó- teses que nom gozam de grande crédito nos estudos históricos atuais, enumeradas no título desta epígrafe. Segundo as mesmas, o centro peninsular, nomeadamente a enorme faixa de terra entre os rios Douro e Tejo, teria ficado deserto –ermo; daí ermamento– após a irrupçom árabe, ainda que a tendência para a perda de populaçom já se verifi- casse desde o fim do Império romano. O   principal formulador desta teoria foi Sánchez-Albornoz (1966), seguindo o historiador português Alexandre Herculano (1980), que tinha avançado a hipótese quase um século antes. Este postulado, que se tornou consensual até tempos recentes, nos quais foi amplamente questionado, chegou ao extremo de considerar que também a norte do Douro e inclusivamente nas zonas mais meridionais da Galiza se teria produzido o ermamento. Com esta ideia reforçava-se a tese da Reconquista como umha forma de projeto ideológico-nacional que sobreviveu a vários monarcas em sete séculos. Os reis cristaos, com a populaçom dos territórios abandonados, teriam-se refugiado no norte asturiano, com o objetivo de devolver a península ibérica aos seus antigos moradores refugiados numha estreita faixa cantábrica. Entre os cristaos e os mouros só haveria um grande deserto estratégico com fins militares reforçado polas contínuas campanhas de castigo que a um e outro bando infringiam as hostes inimigas, fazendo fugir a populaçom, quer polas próprias incursons quer por medo a elas. À medida que avançava a Reconquista, a repovoaçom posterior destas terras seria só umha conseqüência lógica do ermamento.

Sem medo a errar, pode-se dizer que a historiografia moderna foi descartando esta visom tam apocalítica de nada menos que sete séculos de história medieval e até se assume que foi umha maneira de explicar a fundaçom da Espanha moderna quando ela estava longe de começar a existir. Nada de diferente ao que todos os projetos nacionais tenhem feito até os nossos dias. Porém, com a reapariçom da tese que defende a colonizaçom galega da regiom de Xalma, estas teorias voltárom a ser de- fendidas na sua versom mais pura por umha parte da Filologia galega.

Pondo-nos por um momento na mentalidade de um filólogo que defenda que o galego e o português som línguas diferentes, será fácil entender porquê. A seqüência de raciocínios seria a seguinte:

1. Se na Estremadura se fala um dialeto extremamente parecido com o galego, ainda que esteja em cima da fronteira portuguesa, nom pode ser nem português nem português castelhanizado: é galego.

2. Sendo galego, e estando tam longe a Galiza, tem de ter havido umha emigraçom galega, mas ela só poderia ter deixado a pegada que deixou num contexto apocalítico como o defendido polos sustentadores da Reconquista: após um ermamento absoluto seguiria-se umha repo-  voaçom também absoluta.

3. Sendo difícil de acreditar que, umha vez produzida essa intensa repovoaçom, o galego se mantivesse apenas na regiom de Xalma, e nom noutras zonas repovoadas polos mesmos reis e ordens militares, só cabe explicar que esta zona padeceria um severo isolamento que nom pade- cêrom outras terras vizinhas.

A explicaçom do fenómeno através de umha mítica diáspora galega está tam próxima do género lendário que só o auxílio da clássica his- toriografia espanhola podia em certo modo reforçá-la. Porém, iremos vendo que nem por isso consegue resolver as deficiências que apresenta à partida.


Os pontos fracos do ermamento e da repovoaçom, ideologemas da Reconquista

Para umha explicaçom retroativa do projeto nacional espanhol, a utilidade ideológica desta formulaçom –a repovoadora– parece evidente, umha vez que só um cataclismo dessas caraterísticas podia dar senti- do ao verdadeiro cerne ideológico da proclama, a Reconquista. Para os seus defensores, as terras nom teriam sido simplesmente conquistadas ou anexadas –naqueles casos em que nom houvo confronto militar–,  mas reconquistadas, recuperadas para o cristianismo e para os futuros estados ibéricos. Da mesma maneira, as propriedades rurais ou urbanas nom teriam sido ocupadas, usurpadas ou submetidas a umha nova ad- ministraçom, senom ressuscitadas, porque se tratava de regions mortas, porque lá nom estava ninguém. Anselmo López Carreira, historiador que seguimos nestas páginas para questionar ambos os ideologemas,  explica-o assim:

Como complemento do paradigma «reconquistador», o da «repoblación» en- cádrase na mesma funcionalidade político-ideolóxica, destinada a reforzar a lexi- timidade do poder monárquico e do inherente dominio señorial (sobre todo ecle-  siástico), pois eran os magnates locais quen dirixían as empresas «repoboadoras» encargadas polos monarcas. Trátase de remontar ata unha data indeterminada os pretensos dereitos de propiedade territorial e de xurisdición sobre as persoas. [...] A suposición dun territorio desprovisto de xente aseguraba a ruptura com calquera dominio previo, xustificaba as pretensións monárquico-señoriais (arrogandose de- reitos sobre terras real ou supostamente despoboadas, comportamento que Sánchez Albornoz comproba en Ordoño I e sucesores) e neutralizaba as reclamacións. Os xuíces inclinábanse sistematicamente en favor de quen presentaba documentalmen- te este argumento frente aos dereitos consuetudinarios esgrimidos oralmente polas comunidades campesiñas (López 2005: 272).

O  relato segundo o qual grandes massas campesinas teriam voltado a ocupar o que séculos antes lhes fora usurpado polos árabes poderá pare- cer-nos hoje simplista, mas assim nos foi explicado na escola, e mantém a sua vigência em numerosos estudos que o assumírom acríticamente –com mais paixom até que os seus próprios formuladores, que lhe che- gárom a corrigir alguns extremos, como a despovoaçom da Galiza–[15], entre eles os referidos ao «galego» de Xalma. Com os conhecimentos atuais, é tam difícil acreditar nisso como dar validez a que umha guerra «nacional» pudesse durar 700 anos, que Afonso VIII se sentisse herdeiro do legado imperial visigótico, que durante tantos séculos só houvesse guerras e invasons entre mouros e cristaos ou que os «repovoadores» das terras ganhas ao Islám se sentissem legítimos herdeiros dos antigos proprietários godos.

Obviando todo isto, os defensores da galeguidade da regiom de Xal- ma, carecendo de provas documentais diretas do repovoamento da re- giom, quigérom ver na colonizaçom de zonas convizinhas um processo paralelo ao que teria provocado que em Xalma se fale «galego». Deixando agora de parte as dúvidas que suscita a colonizaçom demográfica em ge- ral, expostas nos parágrafos anteriores, a diocese de Cidade Rodrigo seria umha delas. Porém, mesmo para Ángel Barrios García (1985), historiador que utilizou um duvidoso método de freqüências toponímicas para fazer umha proposta sobre as origens dos contingentes migradores a sul do Douro, a presença ocidental –galega, portuguesa e astur-leonesa para Bárrios (1985), mas que Costas (2004) prefere englobar na denominaçom genérica de «galaica»– mal superaria 50%, longe da situaçom ideal que poderia provocar a permanência da língua galega numha regiom tam concreta como a de Xalma.

Porém, nessas terras, mais ou menos próximas de Xalma, nom se fala galego  e nom fica na atualidade nengum rasto cultural de contingentes populacionais coesos vindos do norte, para além do detetado pola mera especulaçom. De facto, os ainda defensores da existência de repovoaçons em massa reconhecem que este processo foi mais complexo do que em princípio se contou, que pudo demorar mais de um século em cada área e que os participantes estavam longe de se organizarem unicamente por origens, língua ou cultura, como alguns estudiosos quigérom ver com prismas atuais, como se respondessem ao chamamento coordenado de editais e partes de guerra. Isto é, a tese da colonizaçom galega para ex- plicar o resultado lingüístico conhecido seria difícil de defender mesmo para os ainda sustentandores dos grandes movimentos migratórios in- duzidos na Idade Média. Como explica López (2005: 272):

[...] tamaña despoboación e posterior repoboación implicarían movementos demográficos (espaciais e vexetativos) completamente imposibles no réxime da épo- ca, ata o punto de algún defensor desa tese recoñecer explicitamente a aparencia «alucinante» dos  mesmos (López 2005: 272).

Desta forma, a única maneira de dar validez ao paralelismo exposto nos parágrafos anteriores –segundo o qual na regiom de Xalma  se teria produzido um processo repovoador semelhante ao da diocese de Cidade Rodrigo– é aferrar-se à formulaçom mais pura da repovoaçom, conhe- cida como tese albornoziana. Costas (2004) admite, com historiadores atuais, que aquelas áreas nom eram totalmente «ermos humanos», como demonstrou a arqueologia e a leitura desapaixonada da documentaçom da época, mas nom tem mais remédio que apoiar-se na hipótese do ermamento/repovoaçom mais radical, porque qualquer outra excluiria o seu relato sobre a origem da «fala»:

A Transerra, segundo os investigadores desa época (Cintra, Pidal, J. González, Herculano, Sánchez-Albornoz, etc.) era praticamente un deserto de poboación entre os séculos viii e xii, ó igual cá Estremadura galego-leonesa devandita e boa parte do val do Texo (Costas 2004: 82).

Em abono da teoria do ermamento resgata a opiniom albornoziana de certos microtopónimos a norte do Douro serem «evidencias destes desprazamentos ás zonas non ocupadas polos musulmáns. En Galicia temos oito microtopónimos Cumbraos ou Cumbrans –de Coimbra– e outros oito Toldaos –de Toledo–» Costas (2004: 83). Porém, achamos que entre os milhares de topónimos de umha regiom, estes nomes de lugar, como as dezenas de Galegos que encontramos no sul, som antes prova de movimentos migratórios excecionais escassamente significati- vos e que remetem para zonas muito mais amplas das nomeadas polo gentílico. Para López (2005: 279):

Topónimos do tipo Toldaos (entre os que non incluímos a este efecto Coim- braos, por ser esta, como xa dixemos, unha cidade galaica), considerados proba de inmigración desde Toledo, etc., aducidos por Menéndez Pidal e utilizados logo por Sánchez-Albornoz, son moi pouco  significativos e ademais dáse a circunstancia de que non marcan ningún fenómeno de mozarabismo na súa zona (López 2005:279).

Em sentido contrário, em relaçom à teoria da repovoaçom, pode dizer-se exatamente o mesmo, como reconhece o próprio Barrios (1985), um dos  principais defensores das teorias repovoadoras através da toponímia:

Hay que decir también, frente a lo que se ha supuesto, que la existencia de topó- nimos étnicos no siempre es reveladora de la masiva afluencia de gentes originarias del lugar al que se refieren; en bastantes ocasiones tales nombres son indicativos del carácter excepcional de un determinado grupo de repobladores más que de su abundancia; dos ejemplos: sendos pueblos se llamaban Gallegos en los arcedianatos de Cuéllar y Segovia, donde la presencia de gentes de procedencia occidental representaba, según la encuesta toponímica realizada, sólo el 14 y el 8 por ciento; y en la diócesis de Ciudad Rodrigo una aldea se llamaba Castellanos, cuando según el mismo criterio la afluencia de emigrantes de tal origen suponía únicamente el
8% (Barrios 1985: 75).

Por isso, é pouco honesto de um ponto  de vista científico continuar a apresentar como principal argumento a favor repovoaçom galega da regiom de Xalma umha tese em grande medida descartada até polos defensores da tam discutida repovoaçom em geral.

López (2005) debruçou-se amplamente sobre esta questom no li- vro O Reino Medieval de Galicia, que seguimos neste trabalho por ser especialmente interessante para nós, ao nom excluir do seu trabalho a época e o território abrangido polo reinado de Afonso VIII da Galiza, Astúrias e Leom, o qual, sempre segundo a orientaçom isolacionista, teria restituído a populaçom às regions de Riba-Coa, Sabugal e Xalma na primeira metade do século xiii. O  autor é especialmente contundente no momento de questionar a existência do ermamento e posterior repo- voamento a norte do Douro. Porém, esclarece:

Mais cómpre irmos máis alá: o dito é válido para o territorio da actual Galicia (a nuclear), mais o paradigma da «repoboación» revélase tamén globalmente falso en calquera outro lugar da Gallaecia, e incluso, con ese desmesurado significado demográfico, é dicir, como substitución da poboación musulmá pola cristiá proce- dente do norte, para calquera outro lugar da Península, salvo casos puntualísimos e, por iso mesmo, fora das pautas normais. Non pasa de ser un elemento ideolóxico anexo á concepción de «Reconquista» (López 2005: 271).

López (2005) situa a mobilidade populacional numha tendência geral europeia, longe dos «baleiros e reposicións poblacionais», provocada por umha crise no mundo urbano anterior à mudança de milénio que nom acarretou um cataclismo semelhante no mundo rural, como demonstra a arqueologia ali onde esta é usada para corrigir a leitura desorbitada dos testemunhos narrativos ou documentais:

Asumir acriticamente os relatos cronísticos (e as narratios incrustadas sospeito- samente en documentos) e as referencias documentais a «presuras», aboca a unha xigantesca cesura histórica, capaz de convencer a historiadores actuais de que a propia aristocracia medieval naceu ex novo a partir da «repoboación». Frente a isto, a arquoloxía descobre (alí onde se aplica) unha ocupación ininterrompida do territorio (López 2005: 273).

Um dos fundamentos das teses repovoadoras mais radicais –desorbi- tadas no caso de Xalma–, assenta no uso dos termos povoar ou repovoar[16] na documentaçom antiga. Mas há tempo que a leitura estritamente demográfica foi descartada polos próprios formuladores da repovoaçom cristá, propondo-se umha interpretaçom num sentido preferentemente administrativo:

Salta á vista que nunca indica a desertización literal do país. Gautier-Dalché traduciu populare por colonizar (se bem pode significar tamén  o mesmo que depopulare), entendendo entón como «beneficiar unha terra máis ou menos abandona- da», aplicable incluso a unha cidade reocupada, «ata o punto de poderse moi ben ‘poboar’ unha vila ou cidade que xa tiña hatitantes.
Ademais desta significación estritamente económica, en que populare equivale aproximadamente a dotar de todo o necesario para que a posta en rendemento dun- ha explotación, tamén nos aproxima –sen podérselle negar un matiz demográfico, sobre todo nunha fase de reactivación como foi o s. x– a unha acepción de carácter marcadamente político, expresión dunha iniciativa institucional conducente non a poboar, senón a «dominar» un espazo que fuxía da súa xurisdicción e incluso (tra- tándose de comunidades campesiñas) da drenaxe económica señorial. Así pois, nin sequera hai por que atribuírlle esse sentido minimalista com que se ten entendido a repoboación, como proceso de reorganización. Tal suposto, como xa se dixo, está completamente desbotado para a Galicia nuclear, mais tampouco é aceptable fóra dela, no resto da Gallaecia [sul do Douro, por exemplo], pois a documentación insiste en mostrar sempre espazos ocupados e dotados desde antigo da súa propia organización social (López 2005: 284).

Para López (2005), a escassez de testemunhos documentais das zonas meridionais do Douro está longe de provar o ermamento –e posterior repovoaçom– dessa enorme faixa de terra. Deve-se, fundamentalmente, à baixa densidade humana e «a unha reactivación demográfica e agraria máis tardía», a partir do século X. Será com a expansom verificável nesta centúria que se produzirá umha intensificaçom agrária e pecuária que afetou terras previamente abandonadas e será neste quadro de desenvol- vimento endógeno onde ser poderám contextualizar movimentos migratórios limitados «pola propia capacidade demográfica dos  puntos de partida». Estas migraçons limitadas, nunca massivas, nom provinham do norte longínquo; avançavam por territórios contíguos que nunca tinham estado despovoados, como veremos no caso da comarca de Xalma.


Ermamento, Reconquista e repovoaçom na regiom de Xalma

Como já foi explicado, a tese repovoadora dos  atuais três concelhos de Xalma baseia-se na suposiçom de que, falando-se galego-português naquelas zonas, pertencentes ao reino de Leom desde o século xii –pos- teriormente a Castela–, teria sido um fluxo migratório galego o respon- sável polo resultado atual, promovido por ordens militares ao serviço do reino da Galiza e Leom de Afonso VIII. Esta suposiçom encontra graves problemas sobre o terreno, para além do próprio facto de nom se en- contrar documentada e do que já foi dito para as teorias do ermamento e da repovoaçom em termos  gerais.

Assim, sabe-se que o governo destas três localidades foi cedido polo reino leonês a ordens militares diferentes e rivais, que para além de Xalma geriam outras zonas atualmente salmantinas e estremenhas de recente «reconquista»[17]. Deste modo, afigura-se realmente estranho que ambas as ordens se pugessem de acordo para repovoarem estas zonas vizinhas, e casualmente fronteiriças, com galegos –ainda por cima da mesma zona da Galiza oriental–, optando ao mesmo tempo por repo- voarem outras zonas da sua jurisdiçom com falantes de leonês. Seria possível que na altura duas ordens militares diferentes tivessem a delica- deza cultural de agrupar os repovoadores em zonas vizinhas utilizando um critério lingüístico? Poderia argumentar-se a favor de tam arriscada tese que talvez outros territórios estremenhos também tivessem falado um desaparecido galego-português –e nom astur-leonês–[18], mas entom seria preciso explicar como é possível que desaparecesse justamente das outras vilas e se conservasse nestas localidades que nunca pertencêrom à mesma administraçom, nem militar, nem religiosa, nem provincial até o século XIX[19].

Mas nom será preciso avançar tantos séculos. Os defensores da galeguidade destas falas ignoram que a dita repovoaçom, mesmo para os seus partidários atuais, foi um fenómeno mui complexo, que nom se pode descomplexizar nem sequer nos territórios onde nengumha crónica o revela, passíveis em princípio de maiores doses de especulaçom. Em qualquer caso, a repovoaçom está sempre longe de poder ser interpretada como caravanas de aventureiros dispostos a desbravar o desconhecido após a chamada de algum soberano. Como já vimos, esta visom mítica tem sido posta em questom por historiadores modernos, e até defenso- res do velho esquema «reconquistador», que fornecem novas linhas de investigaçom para compreender a ocupaçom do território na Alta e na Baixa Idade Média.

Umha delas é a mobilidade da populaçom, aquela que se produziria por motivos fundamentalmente económicos, implicando populaçons contíguas e nom longínquas. Assim, como explica Garcia (2000: 44), sem sair da regiom estudada, existem dados documentais de que os so- beranos e as ordens militares facilitárom a emigraçom das populaçons a outros lugares, permitindo-lhes a venda das propriedades que possuíam em Trevejo ou Salvaleom –no concelho de Valverde–. Trata-se de só um exemplo de que a ocupaçom do território nom se produziu  apenas como resposta de súbditos do norte ao chamamento de monarcas e or- dens interessadas em expulsar os infiéis do centro peninsular. Poderá ter havido migraçons de terras longínquas, digamos, ideológico-religiosas,  mas estas terám sido excecionais, exíguas  e em todo  o caso implicariam  apenas elites leigas e eclesiásticas.

Para além dessa emigraçom mais limitada, também existiu umha emigraçom de raízes económicas que deve ser tida em conta e que com certeza nom consistiu no esvaziamento e repovoaçom de regions intei- ras. Sabe-se, aliás, que a área estudada, tanto no Riba-Coa aquando a dominaçom leonesa como toda a zona transfronteiça hoje espanhola, recebeu importantes contingentes de emigrantes portugueses nos séculos baixo-medievais. Mais tarde, de facto, com as fronteiras definitivamen- te marcadas e sem dúvida muito mais assumidas que no século xiii, pensa-se que um tipo de mobilidade populacional parecida deu origen a dialetos lusos numha longa faixa da raia estremenha, do Casalinho –Cáceres– até a Codosseira –Badajoz–.

Neste sentido, a expansom pecuária poderá ter sido mui relevante. Nom se pode descartar que, ao lado de distantes repovoadores vindos de regions nada superpovoadas, também se deslocassem e assentassem famílias dedicadas ao pastoreio, melhor conhecedoras do território.

O  capítulo e os parágrafos anteriores pretendem invalidar a relaçom entre ermamento e repovoaçom, sustentada em auxílio da ideia da Reconquista. Som muitos os dados que ponhem em questom a esmagadora coerência com que esta ideia foi apresentada. É precisamente esta coerência entre ermamento e repovoaçom o principal ponto fraco de toda a tese, porque quando ela abala, à medida que som conhecidos mais dados sobre a antiga ocupaçom do território, deixa de fazer sentido a própria ideia da Reconquista. No caso que nos ocupa, para quem defenda a ideia de a língua de Xalma ser resultado de umha repovoaçom galega, o pro- blema é ainda mais grave. Para afirmar a galeguidade das falas de Xalma nom só é necessário provar a relaçom lógica entre ermamento e repo- voaçom; também é preciso que essa relaçom seja extremamente coerente, tanto como a fronteira que dividiu o dialeto galego-português da regiom de Xalma  com o dialeto astur-leonês das povoaçons vizinhas.

Tratando de justificar esta impressionante coerência lingüística, capaz de contornar a língua da corte e dos povos vizinhos –atual castelhano– durante séculos numha zona tam definida, o recurso à versom mais radical do ermamento e da repovoaçom, tam ao gosto da passada historiografia espanhola e portuguesa, era imprescindível. Segundo esta teoria, como sabemos, o centro peninsular encontraria-se totalmente desabitado na altura das repovoaçons e os emigrados nom teriam di- ficuldade em manter a sua idiossincrasia lingüística em territórios tam definidos como o que nos ocupa. Nos anos 50 é compreensível que Lindley Cintra baseasse a sua argumentaçom nestas teorias, mas nom me parece justificável obviar que elas se encontram totalmente desacre- ditadas para a historiografia moderna, e até nom tam moderna. Porém, mesmo dando credibilidade ao ermamento, seria difícil justificar que este fosse só determinante ao pé da fronteira. Para contornar esse problema, di-se entom que o isolamento destas três localidades –sugerido igualmente por Cintra– teria conseguido o resto e volta-se a obviar que na atualidade som numerosos os estudos que nom só desmentem o pretenso afastamento, senom que já demonstrárom ter sido estas localidades as melhor comunicadas, povoadas e desenvolvidas da Serra de Gata ao longo da história. E nom só: as três povoaçons destacárom até meados do século XIX pola sua importáncia política e militar, sendo as sedes das mais importante instituiçons da zona[20].


O isolamento  de Xalma

Segundo a versom dada polos defensores da tese «galega», só o isola- mento posterior à repovoaçom pode explicar a preservaçom da fala até os dias de hoje, umha vez que a mesma fala nom se conservou em zonas vizinhas em que também teria sido usada. Porém, as provas documen- tais apontam na direçom contrária: o isolamento nom só parece nom ter existido, senom que as áreas que realmente o padecêrom na Serra de Gata fôrom aquelas das quais, segundo a explicaçom dada polos defen- sores da «tese galega», teria desaparecido o «galego».

Esta última hipótese –a desapariçom do galego  da Estremadura leo- nesa– é certamente difícil de rebater, umha vez que tem na mera especu- laçom o seu único sustento. Mas, tal e como acontece com o isolamento, ela é imprescindível para que a teoria da repovoaçom galega de Xalma tenha certa credibilidade. Explicarei porquê:

Se efetivamente a origem da fala foi umha colonizaçom galega, é evidente que esta nom se pudo limitar aos «três lugares», tivo que ser mais ampla, abrangendo toda a regiom dominada polo mesmo sobera- no e as mesmas ordens militares que teriam «repovoado» a regiom de Xalma. Esta regiom, como já explicamos, englobava toda a chamada Estremadura leonesa –a que pertenceu ao reino de Leom– e as regions portuguesas de Riba-Coa e Sabugal. Porém, tanto em Portugal como no resto da Estremadura nom há notícias desse antigo dialeto trazido por galegos, de maneira que a conclusom a que chegam os defensores dessa explicaçom é que ele só nom desapareceu de Xalma –Almedilha nem sequer é referida por razons que explicaremos mais tarde–.

Admitindo que essa descomunal repovoaçom existisse, que implicaria com certeza a desertifica çom humana de umha grande parte Galiza –cuja cidade mais importante na altura contava com 2.000 pessoas–, como é possível que esse dialeto desaparecesse de tam enorme território e conservasse a grande vitalidade que conserva em Xalma? Isto é, como é possível que em S. Martinho de Trevelho todas as crianças falem ga- lego-português e em Villamiel, a escassos quilómetros, os velhotes nom tenham memória de terem falado sequer os seus avós nada de parecido com as «falas» de Xalma?

A razom aduzida, da qual Xosé Henrique Costas (1999: 85-86) fai um bom resumo abaixo, foi o isolamento:

A pergunta que intriga os estudosos (sic.) desta fala é ¿como se perdeu a fala dos repoboadores no resto das áreas colonizadas e, outramente, se conservou no Val do Xalma ou do Río Ellas? Evidentemente, e aínda que hai autores que negan este ex- tremo, temos que pensar nun abandono secular destas áreas, xa de seu dificilmente accesibles ata hai escasas décadas, pois sabemos que desde Fernando III, o rei que anexionou o reino galego-astur-leonés a Castela en contra da vontade do seu pai, o noso Alfonso VIII, o centro de atención da coroa de Castela foi a reconquista das terras do sur da península e case inmediatamente, a conquista de América. Exprésao Lindley Cintra moi atinadamente cando observa que:
Só em condições especialíssimas de isolamento –geralmente correspondentes a  um prolongado abandono– estes  falares dos repovoadores, ou, pelo menos, algumas das súas características, puderam persistir. Foi exactamente isso o que se produziu na região de Xalma, vizinha da Serra de Gata, durante muitos séculos uma das zonas mais isoladas de toda  a Espanha.
Este illamento secular debeu se-lo argumento principal para a conservación das falas obxecto do noso estudo. Cando esmorece o reino galego-astur-leonés e o poder cae en mans castelás, os colonos foron doadamente asimilados pola lingua e cultura dos  poderosos reinos portugués e castelán. Estas falas do Ellas deben ser, conseguintemente, o resultado dun galego antigo implantado neste val no século xiii que perdeu todo  o contacto co territorio orixinario e camiñou setecentos anos por libre, son, en palabras de Lindley Cintra (1959: 532) «o resultado da impres- sionante persistência (e retardada evolução independente) duma linguagem galega do século XIII.

Nom obstante, o isolamento nom existiu. Trata-se apenas de umha hipótese especulativa sem base documental que formulou Linley Cintra e repetírom, na atualidade, numerosos autores; tantas vezes que a alguns chegou a parecer certa. Para a descriçom desse isolamento é freqüente o recurso a lugares comuns aplicáveis a qualquer aldeia, periférica ou nom, até finais do século passado: «nom chegava a estrada», «velhos que nunca saíram do vale»...

Mas a situaçom real da regiom de Xalma nem sequer pode comparar- se com a dessas aldeias de que fam mençom os referidos lugares comuns. Polas palavras de Miguel A. Sartal Lorenzo:

Non pensamos que a conservación da peculiaridade lingüística dese val cacereño se deba á incomunicación da zona, xa que non parece que fora un lugar incomunicado; ademais de teren un mosteiro, e ser zona de intercambio entre España e Portugal. Ó contrario, estes pobos non estaban nunha zona marxinada, xa que se había algún núcleo aglutinador e que dirixía a vida social da do contorno, esse parece estar formado polos tres pobos que estamos a estudar (Sartal 2007: 255).

O    mesmo autor, em abono da sua opiniom, cita Paulino Martín Blanco em nota de rodapé:

O  modelo de illamento e endogamia, que explica a pervivencia de illas culturais diferenciadas do entorno, non é aplicábel nun val fronteirizo entre dous estados, percorrido por importantes vías de comunicación vinculadas ao comercio e no que tiveron lugar aproveitamentos gandeiros ligados á trashumancia (Martín Blanco
2004; Sartal 2007: 255).

E apesar de nom explicar a razom de porque o dialeto se conserva nessa regiom e nom noutras zonas vizinhas, parece intuir umha relaçom entre «fala» e fronteira inédita até agora em autores que defendêrom a «nom portuguesidade» daquela:

Este feito que aconteceu coa fala dos Tres Lugaris intúo que sería algo semellante ó que pasaría neses lugares de fronteira onde se conservou un dialecto diferenciado, e penso nos dialectos portugueses da fronteira estremeña que citei, no mirandés que se fala no Norleste de Portugal e noutros de zonas semellantes. Esa debe ser a razón principal da súa conservación, unha situación liminal, pois de estar no centro de Castela ou no centro de Galicia é difícil que se conserve un dialecto nunha situación como as mencionadas (Sartal 2007: 257).

O  mais contundente refutador da tese do isolamento foi, no entanto, Martín Galindo (1999: 92-95):

El Valle de Jálama no ha sido, a través de la historia, un territorio olvidado o marginado de los centros de poder dominantes... Hasta mediados del siglo pasado, las tres poblaciones, destacaron por su importancia política y militar al ser las sedes de las instituciones más importantes de la zona. […] Tampoco fue un territorio empobrecido y subdesarrollado, sus poblaciones sobresalieron por su importancia económica hasta el siglo xix. […] San Martín y Valverde, en el año 1530, eran las dos poblaciones con mayor número de habitantes de toda la Sierra de Gata, posición que mantuvieron hasta el siglo pasado. […] De los datos anteriores se desprende que a partir de mediados del xix se produce una fuerte reducción de población, cuya tendencia negativa se va agudizando a lo largo del siglo xx. Y  considero que ello es consecuencia de la desaparición del Antiguo Régimen, que supuso para las tres villas del Val Xálima pérdida de importancia política, administrativa y judi- cial, quedando relegadas a un segundo plano en la comarca. A partir de entonces entraron en un proceso de regresión económica y social que ha ido empujando paulatinamente a la despoblación del valle.

Em definitivo, o alegado isolamento da regiom de Xalma, após umha primeira defesa deficientemente documentada do mesmo realizada por Lindley Cintra, permaneceu nos estudos lingüísticos como umha espécie de exercício emotivo e literário prévio a outras consideraçons realizadas polos seus autores. Por um lado, como se se tratasse de um aspeto já demonstrado e irrefutável; por outro, como umha forma de aproximaçom sugestiva à geografia local.


Mais sobre a tese de Cintra

Como já foi referido, no afám de restaurar teses que polo menos tenhem sido questionadas na atualidade –ermamento, repovoaçom e isolamento– os filólogos galegos acolhem-se à autoridade do principal for- mulador da tese da origem galega até hoje, o filólogo português Lindley Cintra (1959). O   ilustre lingüista estudou a língua dos foros[21]  da cidade portuguesa de Castelo Rodrigo, sugerindo a sua relaçom com os dialetos atuais de Xalma. Cintra analisa vários foros de fundaçom de cidades da zona atualmente portuguesa de Riba-Coa, redigidos num híbrido luso-leonês, centrando-se especialmente nos da cidade referida, de 1209, umha vez que som os que apresentam umha mais clara hibridaçom. Os territórios de que falamos pertenciam ao reino de Leom na altura e, o que é mais importante, poderiam chegar à regiom de Xalma. Porém, a posse dos territórios tinha sido anteriormente portuguesa, umha vez que esses territórios foram adquiridos por Afonso Henriques, o primeiro rei do Portugal independente. Cintra, em vez de supor que a hibridaçom fosse o resultado de um escrivao de fala portuguesa a tentar escrever à moda da corte leonesa que nesse momento dominava o seu território, sugere que o escrivao poderia ter origem [repovoadora] galega e portanto estar a escrever na sua «língua» natural, que à partida parecia hibridada. Deste modo, umha vez que o Riba-Coa voltou ao reino de Portugal, ficando a regiom de Xalma do lado leonês, a ambos os lados da raia ain- da se teria mantido esse dialeto galego que falava o escrivao, chegando à atualidade no caso de Xalma.

A tese é aventurada, para além de deixar entrever o preconceito de que o galego já entom era um híbrido. Em primeiro lugar, porque é polo menos arriscado deduzir da escrita de um único texto de um único copista –os outros foros apresentam graus de hibridaçom totalmente diferentes a este– a atual língua falada numha ampla zona de Portugal e Espanha. Em segundo lugar, porque a língua desse foro nada tem a ver globalmente nem com a falada na Galiza ou na regiom de Xalma, tanto atualmente como antigamente. Em terceiro lugar, porque Cintra apenas encontra quatro traços gráficos que considera exclusivamente galegos –e nom portugueses– no texto estudado, traços que hoje sabemos estarem longe de ser apenas galegos, tanto na altura como na atualidade. E em último lugar, porque nom há nengum traço no foro que coincida ao mesmo tempo e exclusivamente no falar de Xalma e no galego, tanto os atuais como os supostos na altura. Dito doutro modo, as formas galegas do dialeto de Xalma  nom se encontram por lado nengum nos foros de Castelo Rodrigo[22].

Provavelmente, Cintra, no seu afám por ter em conta o galego nos estudos de Filologia portuguesa, formulou esta hipótese com a melhor das intençons, chegando a descartar a existência de populaçom por- tuguesa na zona na altura estudada. Sessenta anos mais tarde, porém, achamos sensato rever a tese deste grande filólogo e nom reproduzi-la acriticamente, como tenhem feito alguns autores.

Regiom portuguesa

Para sustentar a tese da «galeguidade» da fala, os autores galegos mencionados nom só citam a autoridade de Cintra. Muitas vezes, esta tese é abonada recorrendo, conjuntamente, ao próprio Lindley Cintra (1959) e a Clarinda de Azevedo Maia (1977). Esta última, sem descartar a hipótese do seu antecessor, véu a matizá-la quase vinte anos mais tarde com um monumental estudo contrastivo entre os falares do concelho do Sabugal –atual Portugal– e as vizinhas regions de Xalma  e Almedil-  ha. A professora conimbricense nom só pujo em questom que aquelas zonas estivessem despovoadas antes da colonizaçom leonesa, como já explicamos. Também salientou os estudos sobre a primeira colonizaçom portuguesa da zona publicados por Rui Pinto de Azevedo em 1962, desconhecidos por Cintra em 1959.
Os estudos deste historiador vinhérom a confirmar o que já se supunha desde Alexandre Herculano e que Maia (1977: 26-28) explica assim:

A essa ocupação portuguesa daquela faixa transcudana se referem, por um lado, a carta de couto do nosso primeiro soberano [Afonso Henriques] datada de 1174, que, por sua vez, alude a outra em que muito anteriormente (olim) ele mesmo doara ao mosteiro de Aguiar [origem da posterior ordem de Santiago/Alcântara] as terras destinadas à sua criação e, por outro lado, aquela cláusula do Convénio de Alcanizes na qual o soberano de Leão reconhece a Portugal o direito de posse naquela região: «Outrossim, eu, El-Rei D. Fernando, entendendo e conhecendo que vós tendes direito em alguns lugares dos castelos e vilas do Sabugal, e Alfaiates, e de Castelo Rodrigo, e Vilar-Maior, e de Castelo-Bom, e de Almeida, e de Cas- telo-Melhor e Monforte, e de outros  lugares de Riba de Coa,  os quais vós, Rei D. Dinis, tendes agora  em vossa mão (...)». Além disso, não há também documentos leoneses da época que testemunhem a posse leonesa de Riba-Coa antes de Fernando II; os primeiros  documentos relativos a doações de terras de Riba Coa ao mosteiro de Aguiar ou à ordem de Pereiro datam de 1176, contrariamente ao que pensou A. Herculano, que fez recuar essa data para 1165, ano em que o referido monarca doaria o mosteiro de Aguiar «locum qui dicitur Turris Aquilaris et grangiam de rio- chico». Mas, se por  um lado esse documento é falso e tardio, por outro, o referido diploma de Afonso Henriques de 1174 anula qualquer hipótese de domínio leonês em Riba-Coa até uma data mais ou menos próxima desta. [...]
Interessaria determinar a data a  quo e ad quem da posse portuguesa de Riba- Coa, antes da anexação definitiva em 1297. É induvitável que, pelo menos desde 1130, Portugal dominava naquela região transcudana, uma vez que os limites do alfoz de Numão, descritos na carta foral dada naquele ano a esta povoação, atingiam o Águeda e a ribeira de Duas Casas.

Evidentemente, isto afeta de forma quase definitiva a posiçom defendida por umha parte da Filologia galega, que repete acriticamente umha hipótese posta por Cintra e que foi abertamente questionada polo próprio Rui Pinto de Azevedo, como recolhe Maia (1977: 25):

A língua base dos forais desta povoação transcudana não poderá explicar-se pelo facto de haverem permanecido  insulados durante mais de um século em solo leonês pe- quenos núcleos populacionais preexistentes, ali fixados no período anterior em que Riba Coa esteve sob a influência e domínio de Portugal? [o texto em itálico corresponde a Rui Pinto de Azevedo.]

Esta pergunta nom só nom foi respondida pola Filologia galega; nem sequer foi considerada. Muito recentemente, de facto, em resposta ao jornal digital A Nosa Terra sobre a possibilidade de os dialetos de Xalma terem origem portuguesa, Henrique Costas afirmava que estas terras «nunca  foron repoboadas por habitantes lusos nin pertenceron á coroa portuguesa»[23].

Mas a suposta posse leonesa da regiom de Xalma apresenta outros pontos obscuros para além da época em que reinou primeiro monarca português, Afonso Henriques, porque também há documentos que se referem a esta zona como portuguesa durante o domínio  de Sancho I e Sancho II, sucessores de Afonso Henriques e reis de Portugal quando a regiom de Riba-Coa já tinha  passado a domínio leonês.

Havendo documentaçom escassa sobre as três localidades de Xalma, nengumha sobre a sua fundaçom, costuma aceitar-se que elas sempre estiveram do lado leonês-castelhano-espanhol da fronteira, a despeito de falar-se um dialeto galego-português nas mesmas. Este facto é rela- cionado desde Cintra com a faixa atualmente portuguesa de Riba-Coa. Assim, ele supunha que, se o território de Riba-Coa fora colonizado por galegos no século xiii, também a comarca de Xalma, atualmente espanhola, pudo ter sido «repovoada» –com o valor demográfico– polo mesmo contingente de galegos que Afonso VIII levou àquela comarca atualmente lusa.

Como vimos, é mais provável que tal colonizaçom galaica de Riba-  Coa nom existisse, sendo mais fácil de sustentar que a primeira ocu- paçom portuguesa de aquele território –com Afonso Henriques[24]– esteja na origem da língua ali falada, isto é, o português.

Porém, nengum documento nem facto histórico nos empurra a supor que estas localidades fronteiriças estivessem sob domínio leonês quando toda a regiom de Riba-Coa o estava. Nengum foro, foral, costume ou carta foi outorgado a nengumha das três localidades por reis leoneses quando estes tinham a posse daqueloutra regiom mais ampla, e a própria unidade geográfica natural entre Riba-Coa e Xalma  é discutível.

Nem sequer há nengum documento provatório que nos permita concluir que depois do Tratado de Alcanizes, assinado por D. Dinis de Portugal e Fernando IV de Leom e Castela em 1297, as três localidades ficárom finalmente espanholas, embora neste caso facilmente se poda deduzir que foi isso o que aconteceu, porque depois desse tratado a mais antiga fronteira da Europa ficou quase definitivamente fixada, e umha mudança de soberania de um território do tamanho que nos ocupa seria mais facilmente documentável.

Em resumo, é inclusive aventurado afirmar que a regiom de Xalma tivesse pertencido ao reino de Leom, ao mesmo tempo que Riba-Coa, ao longo de metade do século xii e praticamente todo  o xiii, nom poden- do-se descartar, como defende Pires (2005) que tivesse sido umha pro- longaçom do antigo concelho da Guarda –sempre português–. Segundo a documentaçom estudada por este autor, «a Xalma» –quer completa, quer algumha das suas localidades–, teria pertencido a Portugal, nom só, como Riba-Coa, no reinado de Afonso Henriques, mas também na época de Sancho I, Sancho II e D. Dinis.



A esquecida  Almedilha

Por outro lado, a Filologia galega esquece que, ao lado da regiom de Sabugal, Riba-Coa e Xalma, existe outra pequena aldeia fronteiriça cha- mada Almedilha que, após ser referida por Leite de Vasconcelos (1927) e Lindley Cintra (1959), foi estudada por Clarinda de Azevedo Maia (1977). Esta localidade nom pode ser desvinculada de Xalma nem de um ponto de vista lingüístico nem histórico. Quer se pretenda que a origem de ambos os dialetos seja umha repovoaçom quer umha deslocaçom de fronteiras, a origem de ambos os fenómenos tem que ser necessariamente a mesma, e de facto, por omissom, a Filologia galega nunca o negou. Simplesmente, passou por esta evidência com pés de lá. Porquê? Por- que, como explica Maia (1977: 552-553), depois de um mesmo ponto de partida no século xiii, «no futuro, o destino lingüístico desta povoação foi muito diferente do de Xalma, de tal maneira que hoje vive naquela povoação, ao lado do espanhol, um falar português, perfeitamente idên- tico ao português da Beira Alta e de maneira muito especial ao da região fronteiriça da antiga região de Riba-Coa».

Sem dúvida, o destino lingüístico diferente, com umhas relaçons co- merciais privilegiadas com Portugal ao longo de toda a história, pode ter sido umha das razons de se ter mantido em Almedilha um português tam português que os seus próprios habitantes manifestam falar português, algo extraordinário noutros dialetos fronteiriços, que costumam evitar a identificaçom da sua fala com a do Estado vizinho, por razons culturais e políticas em que nom será preciso deter-se. Porém, é absolutamente impossível que, se a língua estivesse ali por umha antiga repovoaçom galega, esta evolucionasse em paralelo à língua de Portugal. Os nossos conhecimentos sociolingüísticos atuais invalidam totalmente a hipótese de um dialeto evoluir globalmente nom só de modo divergente à língua teito, mas de modo convergente à do Estado vizinho. Poderá ter-se mantido em menor ou maior medida, mas nom evoluído. Entom, qual é a razom para classificar de modo diferente dous dialetos, um como galego e outro como português, se ambos tenhem a mesma origem? Evidente- mente, porque num deles (Almedilha) a filiaçom portuguesa continua a ser evidente para os seus próprios habitantes e noutro (Xalma) nom, de maneira que, para a construçom da tese do «galego da Serra de Gata» era preciso ignorar que a língua daquela localidade salmantina poderia compartilhar a mesma origem que a da cacerenha[25].

Por isso, nom é estranho que a filóloga portuguesa, no último artigo publicado sobre o assunto, se demarcasse das teorias que pretendiam assentar, de entre outras, na sua obra: «[...] se desejarmos situar-nos no rigoroso âmbito da «explicação histórica» desses dialetos até ao momento proposta e que atrás evocamos, não consideramos cientificamente ad- missível a afirmação da sua galeguidade lingüística. Aliás, e enquanto não for feita a história desses dialetos do Noroeste da Estremadura, a sua vinculação deve ser estabelecida com o galego-português medieval e não com o galego e o português actuais». [Em clara referência aos estudos de Henrique Costas e Fernández Rei.] Maia (2000: 83)

Conclusom lingüística

A construçom da teoria lingüística que demonstraria a origem galega dos falares de Xalma é paralela à histórica e com ela poderia elaborar- se umha verdadeira tese sobre como, através da dialetologia, se pode demonstrar absolutamente todo, isto é, umha cousa e exatamente a contrária. Os seus patrocinadores, nomeadamente o filólogo viguês Xosé Henrique Costas, utilizam um apanhado de materiais lingüísticos para  aproximar estes falares estremenhos do galego, ora «oficial» ora dialetal segundo convinher. Ao mesmo tempo, esquecem-se do português e do castelhano quando nom vam ao encontro das suas teses.

Nom é nosso objetivo neste trabalho estudar os argumentos lingüísti- cos postos em abono da «galeguidade» do falar de Xalma, assunto sobre o qual nos debruçaremos num próximo trabalho. Porém, como conclusom a este estudo, queremos apenas mostrar como, da mesma maneira que na elaboraçom da tese histórica da repovoaçom galega, o rigor também estivo ausente dos trabalhos que defendêrom a «galeguidade» idiomática daquelas terras. Para prová-la, a maioria dos artigos consultados tivérom de esquecer vocabulário bem português ao qual dificilmente se poderá atribuir génese galega –gafanhoto, ginja, menina...– e contornar traços morfológicos e fonéticos portugueses de presença marginal na Galiza –dois, luta, pronúncia das consoantes sonoras–, realçando a ocorrência de vestígios de «galego» onde nom havia mais que preservaçom de antigas formas galego-portuguesas –tanto galegas como portuguesas–: poupa, certos pares dialetais como doninha-denozinha, ausência de [v], vinhera, avea por aveia... todos eles presentes em diferentes variedades dialetais ou padrons  do atual português lusitano.

Prova deste malabarismo lingüístico pode ser o seguinte quadro:


Étimo

Galego   

Valego

Portug.

Astur.

Castelán

Multu

moito~muito
muto ~ mutio          

mutu


muito

munchu

mucho


cultellu

coitelo~ cuitelo
~cutelo~cutielo       

cutelo

cutelo

cuchillo~ cutsie!!u

cuchillo

Lucta
Tructa


loita~luita~ luta
troita~truita~truta


luta (~loita)
truta


luta
truta


lucha
trucha~trutsa


lucha
trucha


Nocte
Octo


noite ~ nuite
oito ~ uito


noiti
oitu


noite
oito


nueche~nuetse ocho


noche
ocho



Ele é só um exemplo da linha explicativa seguida em numerosos artigos divulgativos e também especializados sobre o tema[26]. A descriçom contrastiva das falas de Xalma  em relaçom às vizinhas combina diferentes modalidades de galego e de «valego»[27]  –por mais marginais que sejam– em confronto com unicamente as variedades padrom do português e do castelhano. Desta maneira, fai-se coincidir aquilo que interessa e obvia-se o que nom é conveniente para provar a origem galega do dialeto. Como os traços nom coincidam com o português padrom –e nom com o galego  maioritário ou «oficial»– fai-se notar a relaçom com algum dialeto local, sobretodo com «as Portelas de zamora» –regiom de onde proviriam os colonos no relato isolacionista–, pequena comarca onde curiosamente existem várias localidades que fôrom portuguesas até 1640.

Sem se ter dito todo ainda, muito já se tem escrito sobre a origem da língua destas privilegiadas terras estremenhas. Na nossa opiniom, ela nom pode ser desvinculada da história dos outros quatro enclaves fron- teiriços de falas galego-portuguesas que sobrevivem ao longo da fronteira luso-espanhola. Ou o que é o mesmo, o Estado vizinho, Portugal, nom pode ser afastado de umha explicaçom razoável ao fenómeno de Xalma. A proximidade lingüística global entre os falares da regiom de Xalma –e a de Almedilha, Ferreira ou Calabor– e o galego contemporáneo, prova, neste sentido, que o contacto do galego-português histórico com umha mesma língua teito, o espanhol, fai com que dialetos afastados geograficamente acabem por verificar evoluçons mui semelhantes, chegando mesmo a confundirse à medida que a proximidade com o castelhano é maior. Fenómenos semelhantes repetem-se um pouco por todas as fronteiras, e é esta a principal razom para nom se descartar umha hipótese que nas últimas décadas tem sido obviada, especialmente na Galiza, em prol de teses de caráter especulativo com grandes doses de pré-elaboraçom.



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[1] Veja-se aqui: http://usuarios.multimania.es/aureano/galego_caceres.htm. O   artigo nom se encontra assinado neste site. Porém, parece claro tratar-se de um resumo de outro texto de Xosé Henrique Costas recuperado desta página web: http://vello.vieiros.com/galegoexterior/costas. html.

[2] Explicado por J. L. Martín Galindo, pode ler-se em: «Estrategia del nacionalismo gallego en el Val de Xálima (Extremadura)» (http://arquitecturadelpueblo.blogspot.com/2010/04/estrategia- del-nacionalismo-gallego-en.html).

[3] Estas teses, conhecidas por autonomistas ou isolacionistas, afirmam a independência do galego  em relaçom à língua portuguesa.

[4] No volume Fala e Cultura d’os Tres Lugaris, da autoria da Asociación Cultural Alén do Val (2004), ente formado por alunos de Xosé Henrique Costas, que por sua vez atuou como coorde- nador do trabalho de investigaçom e redator da parte lingüística, reconhece-se: «[...] a pesar de non terse atopado ata o de agora unha documentación que permita constatar a procedencia da xente que se asentou nese val do noroeste de Cáceres, cremos que a súa cultura e a súa fala son indicios suficientes para dicir que a base principal é o galego antigo ou galego-portugués con ou tras influencias, tal e como apuntamos no texto citado de Juan M. Carrasco.» Alén do Val (2004:38). Porém, esta ressalva nom é mencionada noutros artigos, trabalhos e declaraçons deste e de outros autores galegos sobre o assunto, nos quais a existência de repovoadores galegos –mesmo de umha zona concreta– é apresentada como demonstrada.
Polo contrário, segundo o historiador português Orlando Ribeiro (1987: 58), pode constatar-se a chegada, durante o século XIII, de portugueses do Minho para Sortelha, localidade na raia da Beira Baixa próxima da regiom de Xalma.

[5] Também o dialeto de Ferreira de Alcântara –oficial Herrera de Alcántara– pode ter origem na Idade Média, hipótese posta pola principal investigadora da língua desta localidade, Maria da Conceição Vilhena: «Por el Tratado de Alcañices, en 1297, D. Dinis cedió al rey de Castilla, entre otras, la fortaleza de Ferreira. ¿Se trata de Herrera? Si es así, creo que podemos atrasar su fundación, como hipótesis, hasta el siglo XIII. [...] Al ceder D. Dinis dicha fortaleza a Castilla, ¿habrá continuado allí residiendo la población portuguesa? ¿O, por el contrario, se habrá fijado allí parte del ejército de Shomberg en 1667? El hecho de que Shomberg diga Ferreira es significativo». Vilhena (2000). A meu ver, a tam repetida afirmaçom de o português de Ferreira ser do século XVI é discutível, e a sua ligaçom à Xalma ou Almedilha, tanto histórica como lingüística –que veremos mais tarde–, deveriam ser tidas em conta em futuros trabalhos sobre estes dialetos. De qualquer modo, nom a incluímos neste parágrafo, ao lado da comarca de Xalma e Almedilha, porque tampouco é tida em conta polos defensores da «galeguidade» de Xalma. Por outro lado, sem concordar nem discordar da opiniom que se generalizou neste tipo de trabalhos quanto à origem do Casalinho, vila próxima de Ferreira de Alcântara conhecida oficialmente por Cedillo, acho  conveniente assinalar que a fundaçom por pescadores no século XVIII pode assentar numha lenda popular que conviria confirmar.

[6] Sem discutir a tese final de Lindley Cintra, Maia (1977) pom em questom algumha das bases da teoria do seu antecessor português no estudo destes falares, sobretodo no que di respeito ao absoluto despovoamento da zona antes de ser conquistada polo reino de Leom. A filóloga chama a atençom para a possível posse portuguesa da zona entre 1130 e 1169, destacando que polo memos antes de 1157 –reinado de Fernando II de Leom– nom pudo ter havido posse leonesa. Também salienta que o mosteiro de Santa Maria de Aguiar –que deu origem à Ordem de São Gião do Pereiro, convertida depois na Ordem de Alcântara, responsável pola repovoaçom de parte da regiom de Xalma, segundo os filólogos galegos já referidos– foi de fundaçom portuguesa e recebeu terras do primeiro rei luso Afonso Henriques. Ainda, Maia salienta o facto de no Tratado de Alcanizes se reconhecer o direito de Portugal sobre o concelho do Sabugal –evidentemente por lhe ter pertencido anteriormente–, limítrofe com os concelhos de Xalma e de soberania leonesa na altura das alegadas repovoaçons. A lingüista duvida do extremo ermamento da área proposto por Cintra e recuperado agora para a Filologia galega: «Não sabemos até que ponto estava povoada ou despovoada a futura região de Riba-Coa» (pág. 18), acrescentando: «Não há dúvidas de que nunca houve um total ermamento da região, dado que a população agrária ficou presa ao solo, mesmo durante o domínio árabe» (pág. 20). Estes factos apontam numha linha divergente à «tese galega», umha vez que provariam a posse portuguesa daquela regiom, que, longe de estar despovoada, poderia estar já habitada por súbditos portugueses na altura das supostas repovoaçons galaico-leonesas.

[7] Menéndez Pidal (1960: 50-52) definiu os argumentos de Cintra em relaçom a este assunto  como «apretados».

[8] Sartal (2007: 251-268).

[9] Estamos a falar de Calabor –Samora–, Almedilha –Salamanca–, Olivença –Badajoz– e a ex- tensa zona abrangida por grande parte da regiom de Alcântara e Codosseira –Cáceres e Badajoz–. Dentro da regiom de Alcântara existem, ainda, polo menos três dialetos portugueses fronteiriços com origens históricas diversas. Em Samora também temos o dialeto de génese portuguesa do concelho de Ermesende –Hermisende–, que excluímos deste trabalho por ter contacto territorial com zonas de fala galega dessa província, o qual poderia desvirtuar umha das conclusons a que queremos chegar neste trabalho: o português, em contacto com o espanhol, dá um resultado semelhante ao galego  sem necessidade de estar em contacto com ele ou provir dele.

[10] A própria Maia (1977: 552 e 553) destacou no volume citado, tantas vezes usado em abono da tese galega, as relaçons lingüísticas entre Xalma  e Almedilha, adivinhando-lhes umha mesma origem. Esta hipótese é constantemente obviada na Galiza, umha vez que confirmaria a origem lusa –indiscutida no caso da localidade salmantina de Almedilha– da cultura e da língua de Xalma. De facto, esta possibilidade foi atacada por Costas (1999?) em comentários ao trabalho de Leite de Vasconcelos (1927) sobre a «fala» de Sam Martinho, esquecendo que a própria Maia confirmou esta linha de investigaçom.

[11] Em 2010 foi editado um documentário que volta sobre esse assunto, nesta ocasiom de um ponto de vista reintegracionista (ou partidário da unidade lingüística galego-portuguesa). O    filme Entre Línguas, da autoria de, para além de mim próprio, Vanessa Vila Verde e João Aveledo, mostra as falas dos cinco territórios fronteiriços, fugindo da distinçom entre dialetos galegos (Xalma) e portugueses (Almedilha, Ferreira...) que a partir de 1992 divulgárom alguns autores galegos partidários da independência lingüística do galego  em relaçom ao português. Na Galiza, a primeira vez que aparece publicada explicitamente a tese da «galeguidade» destes falares cacerenhos foi em Costas (1992a: 409-417).

[12] «Os três lugares» é a denominaçom mais usada entre a vizinhança para englobar as três localidades. Outras, de origem culta polo referente utilizado, ainda que de base toponímica popular, fam referência ao monte Xalma: na historiografia e lingüística espanholas, Valle de Jálama ou, adaptado ao dialeto local, Val de Xálima; na bibliografia portuguesa: região de Xalma.  Outras denominaçons totalizadoras com o rio Elhas por base som neologismos recentes. No nosso trabalho usaremos  apenas o topónimo Xalma  e o sintagma «os três lugares» para abranger as três localidades.

[13] Designadamente Sánchez-Albornoz (1966).

[14] A «fala» é a denominaçom que mais consenso gera entre os investigadores para englobar os dialetos das três localidades de Xalma. É umha denominaçom genérica bastante usada também para outras variedades fronteiriças no mundo –nom apenas do português–, que eventualmente pode ser substituída polo gentílico da localidade em que o dialeto é usado –cfr. calaborês, ferreirenho, valverdeiro, manhego e lagarteiro–. No entanto, a denominaçom mais usada –às vezes a única conhecida– a nível popular e coloquial é sem dúvida «chapurreado», que remete para a noçom de mistura de várias línguas, designadamente nacionais, como neste caso português e castelhano. Em todos os enclaves fronteiriços luso-espanhóis em que a identidade com o português nom é plena –Ferreira, Xalma, Calabor– a denominaçom popular maioritária para o idioma é, assim, «chapurreado». Em sentido contrário, nas localidades em que a identificaçom com o português é notória –Olivença, Almedilha, Casalinho e campina de Alcântara –, o nome mais comum é ainda português, ainda que podam ser habituais eufemismos deste termo do tipo «[falar] à portuguesa» ou «oliventino». Outras denominaçons ensaiadas nos últimos anos como valego som totalmente artificiais. Do nosso ponto de vista, a denominaçom mais acertada seria «português (da regiom de Xalma)». No entanto, para favorecer a compreensom do texto, que exige distinguirmos as di- ferentes variedades do português da Estremadura, poderemos usar cada umha das denominaçons propostas acima, entre aspas [« »] quando as requererem.

[15] «Malia teren sido rebatidas (en parte por el mesmo [Sánchez Albornoz]), estas teses demo- gráficas manteñen aínda vixencia en boa parte da historiografía actual. A súa utilidade ideolóxica leva incluso a desprezar correccións introducidas polo propio autor, concentrando ademais as causas da suposta despoboación exclusivamente no período das loitas contra os musulmáns». López (2005: 269).

[16] E ainda de outras expressons do tipo «Desertus et incultus locus, vastitas eremi, trahere terras ex eremo, a que fazem referência os diplomas, [e que] deve entender-se como uma expressão retórica aplicada aos lugares sem «senhor», isto é, sem organização administrativa» Ribeiro (1987:43). No mesmo trabalho, o historiador português acrescenta: «A despeito de guerras, ruínas e mudanças de senhores, a população rural manteve-se, as povoações persistiram, os cristãos donos de terras tinham assegurada a posse dos seus bens, regulando-se por juízes próprios em caso de litígio, e até os mosteiros, apesar de alguns reveses na sua fortuna e influência, continuaram congregando a população cristã, recebendo doações dos fiéis e chegando a comprar propriedades aos muçulmanos. [...] É impossível aceitar a noção catastrófica das invasões». Ribeiro (1987: 45).

[17] Martín Galindo (1999: 86) explica-o do seguinte modo: «[...] el territorio del valle fue repartido entre dos órdenes militares: las tierras del actual municipio de San Martín de Trevejo fueron dadas a la Orden del Hospital de San Juan de Jerusalén que, junto con Villamiel, Trevejo y Villarrubias –Salamanca–, formaron la Encomienda de Trevejo, cuya existencia se mantuvo hasta la desamortización del siglo pasado –Decreto de 11 de Junio de 1848–; y Eljas y Valverde –entonces Salvaleón–, fueron entregadas a la Orden de Alcântara que creó la Encomienda de Salvaleón que incluía, además de las dos  poblaciones del Valle de Jálama, también a Navasfrías –Salamanca–».

[18] De facto, tem sido detetada a presença de lusismos noutras áreas fronteiriças, nom só da Estremadura, que hoje nom som de fala portuguesa, entre elas Huelva e Salamanca. Porém, estes estám longe de aproximar mais estas variedades do galego que do português: afechal, fechaúra, buraco, ganhafote, segurança, julgao, lición, prejudical... Este léxico parece ter mais a ver com a influência portuguesa –nomeadamete na zona de Valência de Alcântara– ao longo da história, anterior e posterior, do que com os supostos fenómenos repovoadores.

[19] Martín Galindo (1999: 86-88): «Por otro lado, Eljas y Valverde, pertenecieron a la antigua provincia de Extremadura y San Martín a la provincia de Salamanca; tras la creación de la provincia de Cáceres –R.D. de 30 Noviembre de 1833–, los tres municipios pertenecen a la misma circunscripción provincial. Igualmente hasta la creación del Partido Judicial de la Sierra de Gata con sede en Hoyos –R.D. De 21 de Abril de 1834–, Eljas y Valverde dependían de la Real Au- diencia de Cáceres, y San Martín de la Cancillería de Valladolid. Lo mismo ocurrió a nivel ecle- siástico, Valverde siempre estuvo adscrito a la diócesis de Coria y San Martín y Eljas, en cambio, pertenecieron a la diócesis de Ciudad Rodrigo hasta el año 1958. Luego, si prácticamente, desde el siglo xii hasta mediados del xix, las tres poblaciones del valle estuvieron separadas en distintos dominios, y además incluidas en entidades territoriales con otras poblaciones de lengua castellana, ¿cómo se explica la existencia de una fala común a las tres villas? ¿Por qué dentro de una misma encomienda unas poblaciones siempre han «falado» y otras han hablado cuando es lógico pensar que los hipotéticos colonos llegados tras ta reconquista serían los mismos en el territorio de cada encomienda? ¿Por qué San Martín de Trevejo y Villamiel, por ejemplo, son dos mundos lingüística y culturalmente tan extraños y diferentes cuando durante siete siglos fueron la misma entidad territorial? He aquí un problema que no se resuelve con soluciones simples y acabadas».

[20] Martín Galindo (1999: 92-93) «[...] fueron cabezas de las Encomienda de Trevejo y Salva- león, desde las que se gobernaron otras poblaciones de fuera del valle y de habla castellanizada; dada su posición estratégica y fronteriza fueron importantes plazas militares; así, tras la derrota de las tropas españolas por los franceses en Alba de Tormes se estableció en San Martín de Trevejo la Capitanía General del Ejército de Castilla; durante siglos el Convento Franciscano de San Mar- tín de Trevejo fue un foco de irradiación religiosa y cultural en toda la zona; San Martín fue la capital del Corregimiento de Jálama, desde 1824 hasta la creación del Partido Judicial de la Sierra de Gata en 1834, que tenía jurisdición sobre Valverde, Eljas, Villamiel, Trevejo, Acebo y Hoyos. También la relación de autoridades existentes en San Martín de Trevejo en el año 1829 que ofrece Miguel Muñoz de San Pedro, desmiente la pretendida desvinculación del Val Xálima del poder central y de su lengua oficial: el español. Así en esa fecha residía en la villa: el administrador de la Encomienda, el corregidor y tres regidores, dos diputados, el alcalde, el síndico, el secretario, el alférez mayor, el padre rector y cinco sacerdotes más».

[21] Cintra (1959) entende que nom havia populaçom na zona e os foros teriam a funçom de permitir a sua colonizaçom demográfica. Porém, os foros e cartas de foral nom excluem a orga- nizaçom de umha povoaçom que já existisse.

[22] Veja-se Maia (1977: 549-550): «Em relação ao primeiro aspecto, suponho que Xalma foi mais «galega» que Riba-Coa: tenho presente sobretudo a existência naquela região de particularidades características do galego, como são as seguintes: a confluência das terminações latinas -ANE e -ANU em ã [ãn] (pp. 122-125); as formas do plural correspondentes a palavras terminadas em -õ [on] < -ONE, ou formadas analogicamente sobre o singular (por exemplo rantóns, botóns, etc.) (p.139) ou resultantes da evoluçom histórica das formas de plural latinas, por perda de -N, assimilação e crase das duas vogais em contacto (p. ex. ratós, tapós, etc.) (p. 139); a forma de terceira pessoa do singular do pretérito terminada em -o (p. ex. dixo, disso (p.233), fizo, fido (p. 234), etc.). Ora, de nenhuma destas particularidades características do galego se encontram vestígios nem no texto dos  foros de Castelo Rodrigo nem nos actuais falares fronteiriços –que, pelo contrário, mantêm algumas particularidades de tipo leonês (pp. 541-544) –nem, pelo menos algumas delas, na toponímia local.» Ainda, em relaçom às particularidades supostamente galegas, a professora conimbricense acrescentaria mais tarde: «Ressalve-se, no entanto, que mesmo aquelas características histórico-fonéticas tidas habitualmente como próprias do galego –o resultado -óns (correspondente a formas de plural de substantivos historicamente representantes de substantivos latinos termina- dos, no singular, em -ONEM) e o resultado -ás (correspondente a formas de plural de substantivos que em latim, no singular, terminavam em -ALEM)–, estão também representadas nas variedades diatópicas do Algarve, no extremo Sul de Portugal, estendendo-se o primeiro tratamento a toda a província e estando implantado o segundo na metade ocidental».


[23] Veja-se aqui: http://www.anosaterra.org/nova/45424/val-do-ellas-o-galego-atrapado-no- tempo-.html («Val do Ellas: o galego atrapado no tempo», assinado por Maria Obelleiro na ediçom digital d’A Nosa Terra a 11-05-2010. Para além do período anterior ao Tratado de Alcanizes, existem inclusive bastantes referências a umha ulterior posse lusa do território estudado. No seu livro A Guarda. No Caminho  do Estremo, Célio Rodinho Pires (2005) analisa diversos forais e costumes do território português do Estremo, parte sul-este do concelho da Guarda no século XII. Segundo o autor, esta regiom teria abrangido «um vasto território que integra presentemente a província espanhola da Extremadura. Trata-se de uma vasta área primacialmente afecta à transumância dos gados  do norte, da montanha, que, no inverno, dado o gelo e as neves, demandavam as campinas da Idanha, os campos de Salvaterra e as baixas de Valverde a sul da serra da Xalma. O   vocábulo Estremo já referido nos Costumes da Guarda aparece novamente citado nas declarações de alguns pastores de Pêga, de Marmeleiro e Touro acerca de um diferendo entre os concelhos de Sabugal e Sortelha a que o rei D. Dinis pôs termo pela «Carta de Sentença da Fatela (termo de Sortelha), dada em três de Abril  de 1315, sobre contenda perante o mui alto e mui nobre Senhor Dom Dinis entre o concelho do Sabugal e o concelho de Sortelha por razão dos termos». No mínimo, e de acordo com os termos dos forais atrás referidos, o território português, no século xiii, era definido polo Erges em todo o seu percurso desde a encosta sul da serra da Xalma até «ferir» (tocar) no Tejo. Sendo assim, as aldeias hoje espanholas de Valverde del Fresno e Eljas, pelo menos, estariam em território português. (Pires  2005: 183-184).

[24] Na realidade, os domínios de Afonso Henriques ainda chegárom mais além da atual linha paralela à costa atlántica que desenha a fronteira luso-espanhola: «prolongavam-se pelas margens do Guadiana e projectaram, através da Estremadura espanhola (Badajoz, Cáceres, Trujillo...), um prolongamento oriental de efémera duração». (Ribeiro 1987: 50).

[25] Nom obstante, como demonstram os materiais fornecidos polo documentário Entre Línguas (2010; vid. nota II), a fala dos almedilhenses é hoje em dia dificilmente distinguível do galego mais rural, e os seus habitantes, manifestando falarem português, mal conseguem distinguir as falas galegas e portuguesas. Repare-se sobretodo nas entrevistas em que descrevem encontros quer com galegos quer com portugueses fora da localidade.
[26] Extraído do volume Fala e Cultura d’os Tres Lugaris, da autoria da Asociación Cultural Alén do Val (2004), ente formado por ex-alunos de Xosé Henrique Costas González, que por sua vez atuou como coordenador do trabalho de investigaçom e redator da parte lingüística em que foi inserido este e outros quadros semelhantes.

[27] A semelhança fónica com «galego» da forma inventada «valego», usada por Alén do Val (2004) a proposta de Xosé Henrique Costas para abranger as três variedades lingüísticas da regiom de Xalma, nom será inocente.

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Publicado en:

Lengua, ciencia y fronteras 
coordinador: RAMÓN DE ANDRÉS DÍAZ
Editado en noviembre de 2011
Ediciones Trabe
Depósito legal: As-4.770-2011
ISBN: 978-84-8053-641-7
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